Por que o credor brasileiro precisa das medidas executivas atípicas?

O Código de Processo Civil de 2015 possui em sua essência, desde seu anteprojeto, a busca por maior efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Não à toa, houve a incorporação de mecanismos processuais, em especial no que se refere ao processo de execução, que visam solucionar o antigo impasse de ter o direito reconhecido no papel, mas não materializado no mundo dos fatos. É possível afirmar que a legislação processual civil vigente – quebrando com a cultura anteriormente existente – conferiu à figura do credor relevante protagonismo.

A possibilidade de adoção de medidas executivas atípicas, de acordo com a previsão do art. 139, IV da mencionada lei, consiste em importante exemplo de mecanismo processual que bem demonstra a posição privilegiada do credor no âmbito das relações processuais formadas após a vigência do CPC/2015. Resumidamente, as medidas executivas atípicas são, na prática e no que diz respeito à tutela ressarcitória, formas extremas – e, diga-se desde já, subsidiárias – de compelir o devedor, no processo de execução ou na fase de cumprimento de sentença, a efetuar o pagamento do débito. Exemplos comuns de medidas para induzir o devedor ao cumprimento da obrigação correspondem à suspensão do direito de dirigir e à apreensão da carteira nacional de habilitação ou do passaporte do executado.

Em maio de 2018, o Partido dos Trabalhadores (PT) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5941, por meio da qual questiona-se a constitucionalidade do mencionado dispositivo, cuja redação é a seguinte: ao dirigir o processo, incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias”. A controvérsia reside, em síntese, na alegação de que “a busca pelo cumprimento das decisões judiciais, em especial na fase jurissatisfativa, não pode se dar sob o sacrifício de direitos fundamentais” (vide petição inicial da ADI 5941). Isso porque, de acordo com a corrente que respalda a tese exposta na ADI em questão, a aplicação desregrada do mencionado instituto resultaria no sacrifício de direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana e o direito à livre locomoção.

É bem verdade que a busca pela efetividade do processo judicial – e o próprio adimplemento de uma prestação pecuniária – não são fundamentos razoáveis para – per si – fundamentar a restrição de direitos fundamentais. A existência do art. 139, IV do CPC/2015, “não se trata de uma carta branca para o arbítrio” – consoante afirmado por Lenio Streck e Dierle Nunes em artigo publicado no ConJur. Até porque, se assim fosse, certamente a norma não estaria dentro dos parâmetros constitucionais.

O que se defende é que a possibilidade de medidas executivas atípicas, quando se trata de tutela ressarcitória – se compreendida à luz de determinadas balizas –, não ofende direitos fundamentais e, por isso mesmo, não é inconstitucional. 

O próprio Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já estabeleceu parâmetros para a adoção de meios executivos atípicos. Os requisitos, que se entende como cumulativos, são os seguintes: (i) existência de indícios de que o executado possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; (ii) decisão devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; (iii) medida atípica utilizada de forma subsidiária, ou seja, somente após a realização de diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e (iv) observância do contraditório e o postulado da proporcionalidade (REsp 1894170/RS). Além disso, em outra oportunidade, a Corte Superior entendeu pela razoabilidade da limitação temporal das medidas atípicas até a indicação de bens à penhora ou a realização de ato constritivo (HC 597.069/SC).

Conclui-se que os parâmetros adotados pelo STJ são suficientes para exigir que a parte – e o juiz ao deferir o pedido – arquem com o ônus argumentativo para justificar a necessidade de adoção das medidas executivas atípicas no caso concreto. Não restam dúvidas, pois, de que as medidas – extremamente gravosas ao executado – devem ser utilizadas apenas excepcionalmente e subsidiariamente, em casos nos quais, a toda evidência, o devedor possua patrimônio expropriável, e que, ao se esquivar do cumprimento de suas obrigações, está a violar os princípios da boa-fé e da cooperação processual.

Há que se reconhecer que a adoção de medidas executivas atípicas é necessária – especialmente no contexto de um país como o Brasil, onde, em janeiro de 2020, de acordo com dados da Serasa Experian (antes do impacto da pandemia, portanto), o volume de pessoas inadimplentes representava 40,8% da população adulta brasileira. Embora não se desconsidere as muitas variáveis que influenciam no inadimplemento, faz-se possível observar que a “cultura do inadimplemento” também está diretamente ligada à ausência de efetividade da tutela jurisdicional, e a sistemática do CPC/2015 busca romper com esse paradigma.

As medidas executivas atípicas, portanto, quando aplicadas a partir de critérios rígidos e bem fundamentadas, mostram-se harmônicas com o sistema constitucional brasileiro. A conferir o que dirá o Supremo Tribunal Federal no julgamento previsto para o dia 18 de março de 2021.