Artigo: Quórum em sessão virtual e a problemática da ausência de manifestação de integrante do órgão julgador

A chegada do Covid-19 trouxe uma nova realidade ao Brasil: a necessidade de adaptação aos meios de tecnologia. Assim como as demais áreas, o Poder Judiciário também foi compelido a adaptar-se ao “novo normal”, e a aderência mais intensa, pelos Tribunais, às sessões virtuais é exemplo disso.

Com a nova sistemática adotada, surgiu uma questão controversa nas normativas editadas por alguns Tribunais, dentre eles o Supremo Tribunal Federal. A problemática reside no entendimento de que a abstenção de integrante do órgão julgador seria considerada como adesão integral ao voto do relator.

Essa previsão – bastante controversa ante seu flerte com a inconstitucionalidade – levou a OAB a encaminhar ao Supremo o Ofício n. 42/2020, em que se sugeria que “a falta de manifestação no Plenário Virtual fosse considerada como abstenção, somente sendo computados, para fins de quórum e de resultado, os votos expressamente manifestados pelos Ministros no prazo da sessão virtual”, eis que “não há modalidade de julgamento por omissão, tampouco existe voto por presunção no plenário físico, de maneira que o mesmo entendimento deve ser aplicado às sessões virtuais”.

Felizmente – e sequer poderia se esperar diferente de uma Corte Constitucional, o Supremo apresentou mudanças em seu Regimento Interno, de forma a restar definido que apenas serão computados, nas sessões virtuais, os votos expressamente manifestados pelos Ministros no prazo do julgamento.

A despeito da mudança operada pela mais alta Corte do país, alguns Tribunais permanecem com o – equivocado – entendimento anterior. É o caso do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. De acordo com o art. 19, da Resolução/TCE-PR n. 77/2020 “a ausência de manifestação de integrante do órgão julgador acarretará a adesão integral ao voto do relator, salvo se houver voto divergente”.

É importante observar que a problemática ultrapassa o âmbito do Supremo, onde é sabido que a atuação colegiada deve ser reforçada diante das regras constitucionais referentes ao controle de constitucionalidade. O fato é que independentemente da instância e da natureza do Tribunal – se jurisdicional ou administrativo, o mencionado entendimento ofende o princípio da segurança jurídica e as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Isso porque, em primeiro lugar, as partes têm a expectativa de que o acerto ou desacerto da decisão proferida pelo órgão originário será devidamente apreciado por todos os integrantes do quórum julgador ad quem. Além disso, tem-se que a importância do voto não está somente em sua conclusão, mas também em sua fundamentação, que poderá ser utilizada pela parte que pretende recorrer para fins de pleno exercício do contraditório e ampla defesa. 

Além disso, não é demasiado lembrar que a fundamentação do voto é relevante para a formação de precedentes. Note-se que, ainda que a conclusão entre os integrantes do órgão do colegiado seja a mesma, é certo que existe a possibilidade de divergência com relação aos fundamentos apresentados pelo relator.

Com efeito, diante da adequada alteração operada pelo Supremo Tribunal Federal, é de se concluir pela necessidade de mudança na legislação interna dos Tribunais que ainda preveem a ausência de manifestação de integrante do órgão como adesão ao voto do relator, sob pena de afronta às garantias constitucionais e à limitação do avanço na formação de precedentes.