STF: Somente lei pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.

O Min. Edson Fachin, em Reclamação, confirmou a aplicação da Súmula Vinculante 44 no que concerne a exame psicotécnico definido por decreto em concurso público para ingresso na Polícia Militar de São Paulo.

Dessa maneira, o candidato ou candidata somente pode ser submetido a exame psicotécnico se este for definido por lei. Não sendo definido por lei, como no caso que foi por decreto, invoca-se o desrespeito à autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Segue a decisão de suspensão de processo:

Rcl 25.209-MC/SP*

RELATOR: Ministro Edson Fachin

DECISÃO: Trata-se de reclamação ajuizada por Yuri Dimitre Sanchez em face de sentença prolatada pelo Juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública do Foro central da Comarca de São Paulo, que considerou válida a eliminação do reclamante do concurso público para ingresso na graduação de soldado da Polícia Militar de 2ª classe, em virtude de sua inabilitação na fase de exame psicológico. A decisão foi assim fundamentada (eDOC 12):

“A realização de exames psicológicos para ingresso na carreira policial militar está prevista no Decreto nº 54.911/09, sendo certo que a legislação aplicável à espécie está expressamente indicada no edital. A avaliação psicológica realizada como etapa do concurso de ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo observou o princípio da legalidade.
(…)
A Administração fixou o perfil psicológico exigido do candidato no edital. E se o impetrante insurge-se contra o edital, competia-lhe impugná-lo no prazo previsto para tanto, pois não se pode admitir que as regras sejam aceitas em um primeiro momento pelos candidatos, e somente quando afastados do certame, ou seja, quando a situação pessoal lhes convém, apresentem impugnação.
O impetrante aceitou as regras do edital por ocasião da sua inscrição no concurso público para ingresso no cargo de Soldado PM 2ª Classe, de modo que a Súmula Vinculante nº 44 do Supremo Tribunal Federal não o ampara, pois na verdade, o autor não pretende questionar a aplicação do exame psicológico, mas sim afastar o resultado desfavorável obtido em uma das etapas do concurso, o que não se pode admitir, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
A Súmula Vinculante deverá ser invocada quando da publicação do edital de abertura do concurso público para preenchimento de cargos vagos na Administração Pública.
Ademais, se a regra contida no edital não respeita comando constitucional, como sustentado na exordial, cabível no caso somente a anulação do concurso, não havendo como ser admitido a não submissão de determinado candidato, por motivos pessoais, sob pena de flagrante violação aos princípios da isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
O critério utilizado pela Administração não afronta qualquer garantia constitucional do impetrante, pois garante a isonomia entre os candidatos, e atende ao interesse público.
O requisito exigido é justo e razoável, além de atender ao interesse público, pois visa garantir a condição do candidato para o desempenho do cargo.
(…)
O impetrante foi reprovado nos exames psicológicos por não apresentar as características de personalidade necessárias para o bom desempenho das atividades policiais previstas no Anexo G do edital do certame, tendo apresentado inadequação aos níveis dos parâmetros exigidos no perfil e contraperfil psicológico estabelecido para o cargo de Soldado PM 2ª Classe nos seguintes itens: capacidade de liderança, relacionamento interpessoal e falta de domínio psicomotor.
A administração justificou minuciosamente os motivos que levaram à reprovação do candidato, bem como a metodologia e testes aplicados, o que afasta qualquer alegação de arbitrariedade ou discriminação do ato.
O laudo psicológico juntado aos autos demonstrou que a avaliação foi feita de forma objetiva e bem fundamentada quanto às razões que levaram ao reconhecimento da inaptidão do autor.”

O reclamante aduz, em suma, que a previsão da fase de exame psicológico consta apenas do Decreto 54.911/2009 e que não há lei que a preveja. Assim, em razão da ausência de previsão legal expressa, haveria ofensa à Súmula Vinculante 44. Por essa razão, a decisão do juízo singular acabou por violar a regra constitucional que exige lei para a previsão do exame. Requer o reclamante, em sede de liminar, a autorização para que prossiga no certame e, ao fim, a anulação da decisão reclamada. Aduz, como periculum in mora, o fato da continuidade do certame e a possibilidade de classificação em posição inferior aos demais candidatos.
É, em síntese, o relatório.
Decido.
A reclamação destina-se a preservar a competência e a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal quando ocorrer a usurpação de sua competência ou, nos termo do art. 102, § 2º, da CR, quando decisões judiciais ou atos administrativos contrariarem decisão proferida por esta Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou que, nos termos do art. 102, § 3º, também da CR, o enunciado de súmula vinculante.
Em casos de relevância e fundado receio de dano irreparável, é possível ao Relator, nos termos do art. 989 do Código de Processo Civil, deferir medida liminar a fim de suspender o ato impugnado.
Estão presentes os pressupostos processuais para o deferimento da medida. Com efeito, no que tange à relevância do argumentos apresentados, esta Corte há muito consolidou o entendimento segundo o qual apenas por lei pode a Administração submeter os candidatos em concurso público ao exame psicotécnico como requisito para o ingresso no cargo. De fato, a Súmula 686 da Corte assentou que “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.
Posteriormente, quando do julgamento do AI 758.533 QO-RG, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJe 13.08.2010, o Tribunal confirmou o entendimento em sede de repercussão geral. Confira-se:

“Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°).2. Exame psicotécnico. Previsão em lei em sentido material. Indispensabilidade. Critérios objetivos. Obrigatoriedade. 3. Jurisprudência pacificada na Corte. Repercussão Geral. Aplicabilidade. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.”
(AI 758533 QO-RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-149 DIVULG 12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010 EMENT VOL-02410-04 PP-00779 )

A confirmação do precedente em sede de repercussão geral levou a Corte a, posteriormente, aprovar o enunciado da Súmula Vinculante 44, cuja redação é idêntica à Súmula 686.
Registre-se que diversos são os precedentes que aplicam esse entendimento aos concursos públicos para a Polícia Militar, não se vislumbrando, por ora, qualquer distinção que pudesse eximir o acórdão reclamado da observância da orientação do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, nos termos do art. 927, II, do Código de Processo Civil, os tribunais devem observar os enunciados da súmula vinculante, somente podendo afastá-los se, nos termos do art. 489, VI, do CPC, demonstrarem a distinção do caso em julgamento relativamente ao precedente desta Corte.
No caso em exame, a inobservância da Súmula foi justificada ao fundamento de que “A realização de exames psicológicos para ingresso na carreira policial militar está prevista no Decreto nº 54.911/09, sendo certo que a legislação aplicável à espécie está expressamente indicada no edital. A avaliação psicológica realizada como etapa do concurso de ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo observou o princípio da legalidade.” (eDOC 12, p. 2).
O embasamento em decreto não atende a necessidade indicada pelo precedente desta Corte, como já puderam assentar os seguintes precedentes:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXAME PSICOTÉCNICO. NECESSIDADE DE LEI. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. 1. A exigência do exame psicotécnico, prevista somente por Decreto, não serve como condição para negar o ingresso do servidor na carreira da Polícia Militar, 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada quanto à necessidade de lei em sentido formal para exigência de exame psicotécnico. 3. Para divergir da conclusão a que chegou o Tribunal a quo, necessário se faria o exame da legislação infraconstitucional 4. Agravo regimental improvido.”
(AI 676675 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-08 PP-02126)

“A exigência de exame psicotécnico, como requisito ou condição necessária ao acesso a determinados cargos públicos, somente é possível, nos termos da Constituição Federal, se houver lei em sentido material que expressamente o autorize, além de previsão no edital do certame.
É necessário um grau mínimo de objetividade e de publicidade dos critérios que nortearão a avaliação psicotécnica. A ausência desses requisitos torna o ato ilegítimo, por não possibilitar o acesso à tutela jurisdicional para a verificação de lesão de direito individual pelo uso desses critérios.
Segurança denegada.”
(MS 30822, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2012 PUBLIC 26-06-2012)

Assim, relevantes os fundamentos trazidos pelo reclamante, o requisito da urgência também se faz presente, a fim de que não se delongue a possibilidade de participação em curso para o ingresso na carreira.
Ante o exposto, com fulcro nos arts. 989, II, do Código de Processo Civil, determino a suspensão do ato reclamado até o julgamento final da presente reclamação, com a imediata inscrição do Reclamante no curso previsto pelo Edital DP-1/321/2015, ou equivalente, fornecido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Solicitem-se informações da autoridade reclamada, nos termos do art. 989, I, do Código de Processo Civil.
Após, cite-se o Estado de São Paulo, nos termos do art. 989, III, do Código de Processo Civil.
Publique-se.
Brasília, 06 de março de 2017.

Ministro EDSON FACHIN
Relator

*decisão publicada no DJe em 9.3.2017