Recuperação judicial e certidões negativas: recentes decisões do STF e acórdão unânime do STJ

Da chamada função social da empresa, princípio constitucional que permeia a atividade empresarial deriva o princípio da preservação da empresa. É imprescindível preservar a empresa para que ela possa cumprir e continuar cumprindo sua função social.

A Lei Federal n. 11.101/2005, por meio da recuperação judicial e extrajudicial, almeja a superação da crise econômico-financeira com a promoção da preservação da empresa, da função social e do estimulo à atividade econômica, para assegurar a continuidade da atividade econômica e, assim, a continuidade dos postos de trabalho, do desenvolvimento e a própria satisfação do direito e interesses dos credores.

Dentre os temas mais discutidos em sede de recuperação judicial, avulta a questão da apresentação de certidões de regularidade fiscal (CNDs) por empresa em recuperação judicial.

Em agosto de 2020, na ADC 46, o Plenário do STF, por unanimidade, decidiu que a exigência de apresentação de certidões negativas de débitos tributários, sendo matéria de interpretação de normas infraconstitucionais, incumbe ao STJ. E, há poucos dias, o Ministro Dias Toffoli rejeitou a reclamação n. 43.169, da União em face de acórdão unânime do STJ no RESP 1.864.625. Na ementa desse RESP, colhem-se percucientes fundamentos:

“4. A realidade econômica do País revela que as sociedades empresárias em crise usualmente possuem débitos fiscais em aberto, podendo-se afirmar que as obrigações dessa natureza são as que em primeiro lugar deixam de ser adimplidas, sobretudo quando se considera a elevada carga tributária e a complexidade do sistema atual.

5. Diante desse contexto, a apresentação de certidões negativa de débitos tributários pelo devedor que busca, no Judiciário, o soerguimento de sua empresa encerra circunstância de difícil cumprimento.

6. Dada a existência de aparente antinomia entre a norma do art. 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu art. 47 (preservação da empresa), a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para concessão do benefício recuperatório deve ser interpretada à luz do postulado da proporcionalidade.

7. Atuando como conformador da ação estatal, tal postulado exige que a medida restritiva de direitos figure como adequada para o fomento do objetivo perseguido pela norma que a veicula, além de se revelar necessária para garantia da efetividade do direito tutelado e de guardar equilíbrio no que concerne à realização dos fins almejados (proporcionalidade em sentido estrito).

8. Hipótese concreta em que a exigência legal não se mostra adequada para o fim por ela objetivado – garantir o adimplemento do crédito tributário –, tampouco se afigura necessária para o alcance dessa finalidade: (i) inadequada porque, ao impedir a concessão da recuperação judicial do devedor em situação fiscal irregular, acaba impondo uma dificuldade ainda maior ao Fisco, à vista da classificação do crédito tributário, na hipótese de falência, em terceiro lugar na ordem de preferências; (ii) desnecessária porque os meios de cobrança das dívidas de natureza fiscal não se suspendem com o deferimento do pedido de soerguimento. Doutrina.

9. Consoante já percebido pela Corte Especial do STJ, a persistir a interpretação literal do art. 57 da LFRE, inviabilizar-se-ia toda e qualquer recuperação judicial (REsp 1.187.404/MT).

10. Assim, de se concluir que os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário), não tem peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico financeira que o acomete

Como se vê, nessas recentes decisões dos Tribunais superiores, foi, a um só tempo, robustecido o princípio da preservação da empresa e assegurada a necessária segurança jurídica às empresas recuperandas em momento de grave crise econômica.